Edição #02
Você já reparou que vivemos em um tempo em que consumir é natural e esperado?
Somos atropelados, todos os dias, por estímulos - propagandas bem escritas, embalagens sedutoras, ofertas por tempo limitado, gatilhos mentais e todo o script de marketing. Tudo é urgente, tudo é para ontem, tudo é essencial. E assim, a lógica do consumo vai se infiltrando em momentos simples dos nossos dias: um rolar das redes sociais, uma conferida nos stories de uma loja que gostamos, uma olhada rápida em uma vitrine na hora do almoço, uma aba aberta no navegador de algum marketplace durante uma pausa no trabalho.
Nem todo desejo é espontâneo
A naturalidade do consumo é construída pela publicidade e pelos algoritmos. Eles aprendem o que nos falta, os nossos gostos, e nos oferecem uma promessa: “com isso, sua vida será melhor.” O chocolate no final de um dia de trabalho, a roupa da vitrine no dia de passeio, a ida no restaurante caro da cidade e até o carro 0 na garagem todo ano, afinal “eu mereço”, “eu trabalho tanto”.
O consumo como estratégia de controle
No capitalismo, o consumo cumpre uma função estratégica: manter o trabalhador alienado. Trabalhamos para consumir e consumimos para aguentar o trabalho.
E assim se forma um ciclo onde a insatisfação é útil, é de certa forma um dos ingredientes do combustível que te faz trabalhar cada vez mais, entregar cada vez mais, para ganhar cada vez mais e gastar cada vez mais.
Pensar em um consumo mais consciente não é só uma escolha ética ou ecológica. É também uma forma de interromper esse fluxo, entender que talvez você não precise tanto daquela promoção, ou daquele aumento, às vezes você só precisa gastar menos.
Falo a partir de uma posição de privilégio. No Brasil, cerca de 60% da população vive com até um salário mínimo per capita, e em alguns estados esse número ultrapassa 80%¹. Para muitas pessoas, o consumo consciente não é uma escolha possível. Ainda assim, saber comprar continua sendo uma ferramenta importante, mas a mudança real só virá com acesso a oportunidades e com a implementação de políticas públicas de qualidade.
¹Fonte: IBGE – Síntese de Indicadores Sociais 2023
Perguntas práticas para compras mais conscientes
Realmente preciso disso agora ou posso esperar?
Observe se o desejo de compra está vindo de uma real posição de necessidade ou interesse genuíno.
Eu já tenho algo que cumpre a função deste produto?
Nem sempre uma airfryer 3.0 premium plus é necessária, às vezes, uma boa frigideira antiaderente resolve.
Eu vou usar isso apenas uma ou poucas vezes, ou vou usar com frequência?
Se a resposta for "poucas vezes", já pensou em alugar ou pegar emprestado?
Esse produto vai durar?
Aqui é um ponto importante: economia à base de qualquer coisa também não é uma boa compra. Se for um produto que vem de uma real necessidade, às vezes comprar de uma marca realmente boa, mesmo que demore mais para adquirir, pode valer a pena. Sabe aquele produto que vai durar uns 50 anos? Então, se for para investir em algo, que seja em produtos assim, que durem.
Estou comprando esse produto porque eu realmente gosto ou porque está na moda?
Se você não trabalha na área da moda, fuja de produtos da moda. Eles têm prazo de validade, e quando passar, você vai querer comprar outro para substituir, seja o que for.
Esse produto resolve um problema real ou apenas adia uma insatisfação mais profunda, como um desejo de pertencer a algum grupo ou classe social?
Você não precisa trocar de carro ou celular todo ano. Pode repetir roupa em festas. Não precisa comprar em grifes para ser aceito em grupos seletos, inclusive se você não faz parte do grupo, talvez você ainda não tenha o capital simbólico suficiente - e não serão objetos que te darão o convite.
Se o dinheiro fosse horas de vida, você venderia horas da sua vida para ter esse produto?
Na verdade, o dinheiro é justamente o tempo da sua vida que você gasta trabalhando.
Isso que você quer comprar está alinhado com a vida que quer construir?
Se você não sabe aonde quer chegar, qualquer caminho serve.
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