Edição #01
Aprendi desde nova a lidar com o dinheiro. Venho de uma familia de classe média baixa: aquela que tem "dinheiro na família", mas não dentro de casa. Onde os avós até ajudam, mas os boletos continuam vindo com nosso nome. O nome é classe média, mas a realidade e bem mais próxima da baixa do que da alta.
Ao mesmo tempo, cresci navegando onde os ricos navegam. Minha família sempre priorizou a educação, então estudei nos melhores colégios, onde a maioria dos alunos ia de carro do ano e mochila famosa do macaquinho pendurado. A mistura perfeita entre aprender o valor do dinheiro e perder a paciência para os excessos de quem nunca teve que pensar duas vezes antes de comprar qualquer coisa.
Há duas semanas morreu Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, que governou com uma simplicidade radical: dirigia um fusca azul de 1987, morava numa chácara nos arredores de Montevidéu e doava 90% do seu salário para causas sociais. Em uma de suas falas mais marcantes, disse:
“(…) há muita infelicidade no mundo não só pobreza. Há pobreza aqui (na mente) e na alma. E para sentir as coisas tem que se dedicar tempo também, e o problema é: em que você gasta o tempo de sua vida? Em que você gasta o milagre de ter nascido? Se você não se fizer essa pergunta, não se preocupe, o mercado vai fazer isso por você. E você vai passar a vida toda pagando contas e comprando coisas, e pá, e pá, e pá, e pá, até que você seja um velho destruído. E você não compra com dinheiro, compra com o tempo de sua vida que gastou para ter esse dinheiro, mas o tempo da vida não se repõem. A vida é uma aventura.
Essa fala tem me rondado, porque ironicamente, na mesma semana, a palhaçada da CPI das Bets escancarou o lado mais podre do consumo e da exploração. Influencers sendo “questionados” por deputados sobre contratos que, supostamente, comissionavam porcentagens das perdas dos jogadores. Perdas por vício, que destruíram famílias inteiras, que diminuiu o consumo de alimentos em redes de supermercado e que, incluso, custou a vida de alguns.
Fico pensando como é possível querer viver com mais, com tudo, o tempo todo. O minimalismo, pra mim, é o que resta. Um ato político. Uma forma de dizer "não" a esse sistema que nos empurra para o abismo do excesso.
Diferente daquele minimalismo estético que anda bombando nas redes, com ambientes brancos, geladeiras organizadas e meninas de coque no topo da cabeça, as Clean Girls, o minimalismo que defendo é outra coisa: é resistência e a recusa ao ritmo que adoece. É o direito de viver devagar, não necessariamente com pouco, mas com intenção.
Talvez eu esteja chamando isso errado, mas enquanto não invento outro nome, me apego a esse.
Entrevista La Nacion - Murió José Mujica: su reflexión sobre la riqueza, Milei, el peronismo y la Argentina
Reels doantidoto - Pepe Mujica e Virgínia Fonseca | Pepe Mujica faria 90 anos
Livro Essencialismo: A disciplinada busca por menos - Greg McKeown
Que texto forte e necessário.
Você não escreveu só com palavras, escreveu com verdade, com vivência.
Me pegou de jeito, porque eu também ando cansada desse corre sem sentido, dessa cobrança por mais, mais, mais…
Misturar Mujica com CPI das Bets e esse minimalismo de verdade — que não é filtro de Instagram, mas escolha consciente — foi genial.
Seu texto é um respiro. Uma freada no automático.
Escreve mais, por favor. A gente precisa de gente como você pra lembrar o que realmente importa.